terça-feira, dezembro 05, 2006

A Soma Do Que Somos.


Por Preto Ghóez
Olhe bem pra mim e não esqueça disso. Me veja como um bicho. Me trate como um lixo. Nunca fui sujeito homem. Sou o produto do rejeito.Do dejeto. Da fome. Condenado a viver na merda. Na guerra. Nunca fui tão humilhado o quanto sou fera. Sou a soma. O resultado de seus métodos.Nas minhas veias corre o esgoto a céu aberto. Nunca fui feto. Quando muito um parasita.Tomando à força da velha doméstica. Sua própria vida. Ferida aberta ressecada. Escada abaixo na evolução humana.Quem ama não mata, maltrata, aprisiona. Receio. Que pela falta de recreio nas horas. Eu seja o pobre, a puta, o preto, o feio. A mais pura ruindade. Entre um drink e outro celebrem. Toda a minha infelicidade 12 anos de vida. E já trancafiado numa cela fedida.Cascatas de lágrimas no seio da minha família. Uma salva de palmas nos palcos do genocida. Um número na estatística de mais uma infância perdida. Um gatilho meu melhor amigo, profissão: perigo. O tucano a serviço da águia. Tráz mágoas consigo. Um moleque cheira cola, fuma maconha. Mata e rouba como sonha o imperialismo. Me estuprem, me torturem. Como quer a mídia. Que eu ponho fogo no colchão da burguesia. Se eu não tenho sonhos. Eles têm insônia e inseticida. 190 não descansa, vem me dedetiza. Baixada, morro, favela, proletários. Pros letrados ensinam. Sangue azul enche a caneta de quem rima. Sou viela, sou da quebra, sou periferia. Um Frankenstein latino, um preto nordestino. E nem deu tempo de ser menino. Profanaram meu corpo, meu templo. E eu blasfemo como bate o sino. Enquanto isso intelectuais suínos, sorrindo. Distribuem facas de costa a costa em seus amigos íntimos. Dizia a canção da possessividade. Amigo? É coisa pra se guardar debaixo de sete chaves. Isso é empírico, se respiro, vivo! Tenso, logo existo. Nem o dobro da maldade dos traíras. Que só atacam no calado, e do combate se retiram. Puderam acalmar a minha ira. Sou feito de favela, pode ver a etiqueta. Mais um cabeça-chata de pele preta. Um desgraçado enviado pelas tretas. Respeita! A fita eu canto, eu rimo. Quer saber quem eu sou? Reflita...Pequenos pezinhos, descalços na trilha. Pequenas mãozinhas, fecham os punhos. E lideram mais uma família. Em marcha! Marcham pelas próprias vidas. De posse da foice, da enxada, do facão. Como mestres da esgrima, revelam tamanha maestria. Celebrando a lida entre irmãos. Duas décadas de luta, e a labuta dá fruta-pãoPão nosso de cada diaEntoa a canção da maldição à burguesiaE se as trevas da UDR nos armarem uma teia. As almas de Eldorado vêm nos alumia. E não é à toa que a internacional ecoa. Bandeira vermelha que tremula e voa. Debaixo de um sol de sertão. Ou cruzando a Ipiranga com a São João. Debaixo da garoa. Todo favelado é sem-terra. Liberta a vontade vermelha. Todo sem-terra é da quebra. A negritude, atitude semeia. Carreguei o tambor com as vogais. Desrespeitei a concordância verbal. Puxei o cão do ponto continuando. Mudei de tema, teorema, problema aritmético. Eu sou o excedente sem dentes. O fator ético, nego sabido, sujeito eclético. Inconformados os ricos, inventam outro mundo. Do outro lado do muro. Recheiam suas pelúcias. Com o medo do escuro. Só não esqueçam que sou feito de favela. E isso é mais que aço. Comprem belos ternos pros seus cães. E se eu passo:“Desconjuro”– Eu ouço: Faça isso não seu moço. Que eu ou tão louco, estranho. Que ainda estando no fundo do poço. Eu uso seu crânio e cavo mais um poucoSou feito de favelaA preta velha chorando num final de novela. Um corpo sangrando, a seqüela. Minha quebra é playground macabro. Ornamentando com velas. Graças à Rota eu tropeço. No cemitério clandestino. Gasto toda a tarde de domingo. Eu e meu menino.Montando o quebra-cabeça,– Ou o quebra-cadáver?Tanto faz. Eu adoro vê-lo sorrindo. Sou assim mesmo, um erro. O desagradável, o descartável. O memorável nada. Que quando morre vira tudo. Na quebra, vestido de festa é luto. E se não luto, me arrasto ainda vivo. Puto! Por receber um mundo assim tão imundo. Não é lindo? Nossas mães que eram moças direitas. Nós sempre fomos zeros à esquerda. Nos rebanhos de ovelhas negras. Descemos ao covil dos lobos, das tretas. E de ovelha a coiote, anote. É só sair da mira da escopeta. Cansei de ser um alvo fixo. Cresci prolixo. Ou pro lixo? Num sei, preciso me repetir. Saber por onde ir. Feito de favela não tem nome. Assim ninguém nota quando some. Então faça a soma. Some a soma do que somos. 100 infância. 10preparado. 1 fudido. Subtraio o sorriso da cara do inimigo. Multiplico as ações contra o capitalismo.Divido entre os meus a verdade dos livros. Pois a soma do que somos...Some e assume. O extraordinário como cotidianoQuandoTodo o dinheiro ou seus donosJá não somam mais. Que o futuro dos seres humanos. Hermanas, hermanos de tão pretos vermelhos. De tão pobres, guerreiros. A foice e o martelo equaciona. A soma de todo o planeta. Nos afasta dos traíras e das tretas. E a soma do que somos. Torna-se na soma de nossos sonhos. O resultado de igualdade entre os homens.

Preto Ghóez é vocalista do Clã-Nordestino. Filiado ao M.H.H.O.B. Está finalizando seu primeiro livro, um romance: A sociedade do Código de Barras – Volume I

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