terça-feira, dezembro 05, 2006

Chile, exemplo a seguir, ou caminho a evitar?

Por Renato Pompeu
Se formos dar ouvidos à mídia grande brasileira, o Chile é um exemplo de país a ser seguido por todas as nações latino-americanas, porque, por ter adotado todas as reformas neoliberais, com privatizações, reforma tributária, reforma previdenciária e o mais que se segue no receituário do chamado Consenso de Washington, o país do general Augusto Pinochet cresce estavelmente há décadas, a um ritmo mais acelerado do que as demais nações latino-americanas, e desfruta de um padrão de vida invejável. É claro que a mídia grande não destaca que o cobre, a grande riqueza do Chile, continua sendo estatal, o que explica a situação fiscal tão favorável do país, pois os preços do cobre têm sido bem manejados. Também não se fala que nem Pinochet tocou na reforma agrária de Allende; interrompeu as desapropriações, mas não anulou as já efetivadas. A mídia grande, ao contrário, atribui o “bem-estar” chileno às privatizações, por exemplo, da previdência.
Se, porém, examinarmos mais de perto a situação chilena, como podemos ver em artigo do jornal ibero-americano La Insignia , em http://www.lainsignia.org/2006/junio/ibe_058.htm, verificaremos que o desemprego em Concepción, uma das regiões mais avançadas do país, supera 12 por cento da mão-de-obra – e ainda assim se medirmos pelos índices chilenos, que são semelhantes aos americanos, ou aos do IBGE, pois, se fôssemos medir pelos índices europeus ou do Dieese, o desemprego seria muito maior.
Isso, apesar do crescimento acelerado da economia da região. Ocorre que, como todo crescimento econômico capitalista, o desenvolvimento chileno, por mais acelerado que seja, é sempre excludente; sempre há uma faixa de no mínimo um terço da população (no caso dos países mais bem-sucedidos, como a Alemanha, chamada de “sociedade dos dois terços”) que fica na pobreza. No caso de países em desenvolvimento, a faixa dos pobres é sempre superior a um terço da população, e o Chile não é exceção.
Em Concepción, o último recurso dos desempregados é o mesmo do Brasil: o comércio ambulante. Existem programas governamentais para garantir trabalho aos desempregados, mas a maioria se refere à pesca, cujas atividades só duram dois meses por ano, ou a serviços como pintar prédios públicos ou limpar terrenos, que também não são duradouros.
Além do mais, as reformas neoliberais foram impostas ao Chile pela ditadura assassina do general Augusto Pinochet, cujo legado político se manteve em grande parte após a redemocratização do país. Assim, se no Chile foram realizadas “todas as reformas” que a América Latina deveria seguir, não foi feita plenamente a reforma política. Um dos dispositivos, a divisão do país em distritos eleitorais, garante que as forças de esquerda tenham representatividade parlamentar menor do que sua força eleitoral, pois a divisão foi feita de modo que os bairros e regiões em que as esquerdas têm mais densidade eleitoral elejam menos representantes para o Parlamento do que os bairros e regiões em que os conservadores e os socialistas, estes convertidos ao neoliberalismo e que atualmente governam o país, têm mais votos. Por isso é que não se ouvem as vozes dos deserdados chilenos, gerando a impressão de que lá tudo está bem.
Desse modo, o Chile não é de jeito nenhum um exemplo de democracia a seguir. Existe um movimento da esquerda extraparlamentar para modificar a legislação eleitoral e tornar o parlamento mais representativo da vontade política de toda a população chilena, mas até agora não foi possível eliminar esse legado de Pinochet.
Renato Pompeu é jornalista e escritor.

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