Entrevista - Ministra Matilde Ribeiro

Entrevistadores:Entrevistadores: Marina Amaral, Michaella Pivetti, Juliana Sassi, Palmério Dória, Marcos Zibordi, João de Barros, Thiago Domenici, Renato Pompeu, Sérgio de Souza. Fotos: Johnny
TRECHO 1
Marina Amaral – Como a senhora conseguiu entrar na faculdade? Eu sempre trabalhei e estudei. Acho que foi por esforço pessoal, junto com apoio familiar. Era contraditório, meu pai, ao mesmo tempo que achava que mulher não tinha que estudar porque ia casar e ter filho, também se orgulhava de ter uma filha com predisposição para estudar. E não colocava limite, mas achava que era uma carga muito pesada trabalhar e estudar. Lembro que na época de juventude... tem coisas na minha vida que foram precoces. Eu tinha um tio que sempre morou com meus pais. Ele era dez anos mais velho e a minha irmã é quatro anos mais velha, e por estímulo deles comecei a ir muito nova em bailes...Ouça este trecho »
TRECHO 2
Thiago Domenici – Mas a senhora já tinha uma posição política nessa época? Não. Eu tinha uma curiosidade muito grande. O que me despertou para a militância política foi a expressão do PT dentro da faculdade, alguns professores, em especial a Erundina, ela nos levava para as favelas, pra fazer estágio de observação, levava para os cantões. E dentro desse espaço comecei a conhecer as feministas, e também os negros militantes. Comecei meu estágio com meninos e meninas de rua, depois fui trabalhar em creche. Aí não teve jeito, você convive com as crianças e as mulheres e comecei a ficar muito revoltada com a vida que as mulheres levavam. Percebia que as crianças pareciam ser filhos só das mães, percebia a ausência dos pais, percebia o quanto as mulheres levavam uma vida sacrificada, de deixar parte dos filhos sozinha em casa, outra parte na creche, sair pra trabalhar, voltar e pegar as crianças. E comecei a me envolver nesse universo da condição das mulheres, e a ficar amiga de pessoas feministas, comecei a freqüentar as reuniões e fui trabalhar depois em uma ONG feminista, que é a SOF (Sempreviva Organização Feminina), e nessa época me filiei ao PT. O que me despertou para a questão racial foi esse processo, mas para a militância efetiva foi mais tarde, em 1988, quando teve todo um debate em torno dos cem anos da Abolição da Escravidão e fui numa reunião do Movimento Negro, representando o Conselho Regional de Assistentes Sociais, eu fazia parte da direção. Trouxe isso pra minha vida profissional e pra minha vida acadêmica. Acabei estudando essas duas temáticas, gênero e raça, acabei trilhando toda a minha vida profissional e acadêmica a partir desse olhar militante.Ouça este trecho »
TRECHO 3
Palmério Dória – Qual é o papel exatamente da sua secretaria? A gente sabe que ela tem o menor orçamento da República. É uma espécie assim de senzala...É, a casa-grande fica em outro lugar. Bom, as secretarias especiais são órgãos de assessoramento à presidência da República, com status de ministério. A diferença orçamentária entre a Secretaria de Igualdade Racial e a Secretaria da Mulher é muito pequena. A dos Direitos Humanos é um pouco maior. A missão é a mesma, a diferença é que as outras duas já existiam. Antes mesmo do governo Fernando Henrique já existiam ações nessa área. Creio que nesses quatro anos conseguimos apresentar um desenho, um caminho de ramificação da ação, considerando a missão, que é coordenar, estimular, elaborar conjuntamente com outros e monitorar a execução. Então, esse primeiro período da secretaria foi de aprendizado muito grande, não só pra quem está dentro do governo, mas também para quem está fora demandando as políticas, e creio que o futuro desse espaço deve ser de aprimoramento e fortalecimento. Não acredito que seja possível durante muitos anos a secretaria se manter como a prima pobre do governo.Ouça este trecho »
TRECHO 4
Renato Pompeu – Além das cotas, que outras ações afirmativas existem?Várias medidas agregadas a essa de reserva de vagas e de bolsas estão em curso. E há dois projetos de lei do governo, em tramitação no Congresso, que tratam da educação como um todo, mas fazem vinculação com esse nosso debate aqui. Uma é a reforma universitária, matéria de disputa ferrenha entre as várias concepções sobre qual o sistema de ensino que queremos, desde os primeiros dias até o ensino superior – e queremos que o ensino superior possa efetivamente corresponder à lógica da democracia e do acesso para todos. Outro projeto que tramita é o Fundeb, que prevê o Fundo para a Educação Básica, entendendo que fortalecendo a educação básica estamos mexendo nas duas pontas – no ensino, que é estruturante para o resto da vida, que são os primeiros anos de escola, e no ensino superior. Há ainda o programa Brasil Alfabetizado, somando várias ações que acontecem no campo da educação de adultos. O outro exemplo é a implementação da lei 10.639, que prevê o ensino da história e cultura afro-brasileiras nos níveis médio e fundamental das escolas públicas e particulares. Foi sancionada pelo presidente Lula em 9 de janeiro de 2003 e está em processo de implementação. Para a implementação, o principal é a capacitação do professorado – não tem ensino se os professores não estão preparados –combinada com a revisão curricular e com o envolvimento da comunidade escolar e das famílias para que isso se torne fato. Ouça este trecho »
TRECHO 5
Thiago Domenici – Nisso tudo, qual a importância do dia 20 de novembro, que é o Dia Nacional da Consciência Negra?É o melhor exemplo de ação simbólica que poderíamos ter, que nos obriga, enquanto governo, a reconhecer que existiu Zumbi dos Palmares, que existiu a luta histórica contra a escravidão, e que a Abolição não aboliu. Aboliu administrativamente, mas não incluiu os negros como cidadãos e cidadãs de direito. O movimento negro teve uma atuação visionária 35 anos atrás, quando começou a dizer pelos quatro cantos do Brasil e também em espaços internacionais que, se tem o dia de Tiradentes, tem que ter o dia de Zumbi dos Palmares. Isso hoje é fato, a agenda pública brasileira tem o Dia Nacional da Consciência Negra e Zumbi dos Palmares como herói nacional. E ao mesmo tempo existem políticas públicas federais em andamento, porém insuficientes pra responder à demanda, responder a essa reivindicação que foi reprimida ao longo da história. E repetindo que ações afirmativas, neste nosso momento, constituem um vetor para a construção de políticas públicas de igualdade racial. Ouça este trecho »
[ 126 Comentários sobre esta matéria ]
1 - saulo de tasso gomes de oliveira 05/12/2006 às 08:37
realmente o tema é polêmico, aho interessante os debates pois me ajudam a entender melhor nossa sociedade. sou negro e funcionario público e sinto a discriminação todo dia vendo colegas brancos serem colocados em funçoes somente pela cor.
2 - Leão Alves 05/12/2006 às 07:14
COMO A SEPPIR DISCRIMINA MESTIÇOSA frase da ministra mostra bem a mentalidade discriminatória e revanchista que orienta a política racial do governo: "É melhor que haja brancos ressentidos por terem nota, mas não terem vaga, do que não haver negros no ensino superior". A hostilidade não é só contra brancos, mas também contra mestiços, inclusive os afrodescendentes. A secretaria, para defender a invenção de que ser pardo é sinônimo de ser negro, tem conscientemente ignorado os 'cabocos' (como se fala na Amazônia), os mestiços descendentes de índios e brancos, além de desprezar os mulatos e outros afrodescendentes que não se submetem a esse engodo e defendem suas identidades mestiças. Para conhecer as discriminações e perseguições sofridas pelo movimento mestiço por se opor e atuar contra a política racial antimestiça promovida pela SEPPIR visite www.nacaomestica.org . Embaixo uma denúncia do movimento mestiço ao MPF contra essa secretaria.Ofício nº 33/2006 Manaus, 31 de março de 2006.AoMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALN E S T ASenhor(a) Procurador(a),Vimos através desta denunciar novos atos de discriminação racial e étnica contra nossa população mestiça por parte da SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) e do CONSELHO NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (CNPIR). Esta denúncia baseia-se nas razões de fato e de direito seguintes:1. Pelo Decreto de 23 de julho de 2003, o Presidente da República convocou para o período de 30/06 a 02/07/2005, em Brasília - DF, a 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (CONAPIR), sob a coordenação geral da SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) e do CONSELHO NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (CNPIR).2. Para a realização desta conferência, foi estabelecido que se dariam conferências a nível municipal e estadual de onde seriam tirados delegados para a conferência nacional.3. A 1.ª CONAPIR contaria com a participação de 1.000 (mil) delegados de todo país, os quais seriam escolhidos a partir de conferências estaduais, as quais por sua vez teriam delegados indicados pelos governos estaduais e municipais e delegados eleitos pela sociedade civil em conferências municipais. Em Manaus, a I CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (CMPPIR) ocorreu nos dias 7, 8 e 9 de abril e a I CONFERÊNCIA ESTADUAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (CEPPIR) do Amazonas nos dias 27, 28 e 29 do mesmo mês, também em Manaus.4. Dos 1.000 delegados da 1.ª CONAPIR, 400 (quatrocentos) seriam governamentais e 600 (seiscentos) representariam a sociedade civil.5. Embora aqueles que se identificam como pardos correspondam a 38,6% da população brasileira e 68,26% da população nortista (Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, v. 60, 2.000, p. 2-65), a SEPPIR e o CNPPIR enviaram às Comissões Organizadoras das conferências estaduais um modelo de Regimento da 1.ª CONAPIR que estabelecia os seguintes percentuais e os grupos étnicos/raciais da sociedade civil que deveriam ser representados na conferência nacional: I – 60% para a população negra; II – 8% para a população indígena; III – 16% para amarelos, ciganos, judeus, árabes, palestinos e grupos etnicamente discriminados; 16% para brancos e entidades da sociedade civil comprometidas com a igualdade racial, descartando os pardos.6. Também foi enviado com o modelo de Regimento citado acima um Texto-Base com comentários sobre o tema central da 1.ª CONAPIR, “Estado e Sociedade – Promovendo a Igualdade Racial”, que revelava o porquê da não inclusão de pardos entre os grupos étnicos/raciais a serem representados na conferência. Este texto, apresentado pela Ministra MATILDE RIBEIRO, da SEPPIR, e também Presidente do CNPIR, trazia às páginas 16 e 17 a seguinte passagem que renegava a opção dos que se identificam como pardos: “A composição racial brasileira tem a seguinte configuração: 53,4% são brancos; 38,6% pardos; 6,1% pretos; 0,5% amarelos e 0,4% indígenas. Assim, a soma dos cidadãos que se declaram negros (os pretos e pardos) representa 44,7% da população de nosso país, cerca de 80 milhões de brasileiros”. Assim, os pardos, que correspondem à grande maioria da população da Região Norte (em sua maioria mestiços descendentes de indígenas), eram constrangidos a desprezar sua identidade parda e sua origem indígena se desejassem participar da 1.ª CONAPIR, pois teriam que se identificar como negros.7. A hostilidade à identidade dos pardos/mestiços e à mistura racial ficou também evidente nesta outra passagem tirada das páginas 15 e 16 do mesmo Texto-Base: “O novo projeto de Nação a ser construído no Brasil contemporâneo implica em resgatar de forma crítica nossas mais significativas tradições organizativas em nome da realização de uma ação democrática. Tal projeto não deve se esgotar na fórmula assimilacionista ou enganosa como se deu no passado. Existem outras possibilidades, que valorizem a diversidade e o respeito às diferenças; a igualdade e o combate à exclusão social; que não revalidem moralmente tradicionais papéis sociais tampouco, almejem uma questionável e desnecessária uniformização estética, cultural e política de nosso povo”.8. Durante a realização da I CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (CMPPIR), em Manaus, no dia 8 de abril de 2005, várias organizações do movimento mestiço, entre elas o MOVIMENTO PARDO-MESTIÇO BRASILEIRO (NAÇÃO MESTIÇA), conseguiram aprovar, com o apoio de participantes de outras bancadas, o Regimento Interno tendo em seu art. 19 § 2.º a seguinte distribuição étnica e racial para os delegados a serem eleitos para a I CEPPIR: “40% indígenas, 30% mestiços, 20% negros e 10% brancos e outras etnias”.9. Esta distribuição deu aos mestiços 27 vagas de delegados para a Conferência Estadual.10. Durante os preparativos e no período da CONFERÊNCIA MUNICIPAL, em conseqüência das orientações vindas dos documentos emitidos pela SEPPIR e pelo CNPIR, o movimento mestiço teve várias vezes que recorrer à intervenção do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Estado do Amazonas a fim de que seu direito de participar como mestiço fosse respeitado. A denúncia feita ao Ministério Público Federal sobre esta política antimestiça do governo, que contagiou lideranças de outros movimentos étnicos e raciais e representantes dos poderes públicos locais, que resultaram em diversos atos de constrangimento e autoritarismo, de ofensas pessoais à convocação de forças policiais a fim de intimidar a representação mestiça e suas lideranças, foi levada ao conhecimento da SEPPIR.11. A Ministra MATILDE RIBEIRO esteve presente à abertura da I CEPPIR, em Manaus, em 27 de abril de 2005. Durante sua fala informou que havia recebido as denúncias contra sua Secretaria e que responderia ao Ministério Público Federal que iria chamar os mestiços para um diálogo. Este encontro, porém, até hoje não se realizou. 12. Durante a realização da CONFERÊNCIA ESTADUAL, a agressões aos mestiços acentuaram-se: embora na programação aparecessem eventos que contariam com a participação mestiça, estes foram sistematicamente excluídos da mesa, ocupando-a apenas numa única oportunidade, havendo um esforço (dos inspirados na política de “igualdade racial” pregada nos textos assinados pela SEPPIR e CNPIR) para evitar que a palavra “mestiço” aparecesse nas propostas aprovadas no evento. O artifício mais usado era incluir os mestiços na expressão “e outras etnias”.13. Os mestiços recorreram ao Ministério Público Estadual, requerendo que o direito dos pardos/mestiços identificarem-se como tais fosse protegido pelo Ministério Público do Estado do Amazonas e as práticas discriminatórias denunciadas cessassem; que a Comissão Organizadora fosse obrigada a incluir vagas para delegados mestiços na I CEPPIR a fim de que os direitos civis dos cidadãos pardos/mestiços fossem respeitados; além de outras denúncias.14. Graças a atuação do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Estado do Amazonas, o movimento mestiço conseguiu finalmente ter assegurada 01 (uma) vaga para a representação mestiça na CONFERÊNCIA NACIONAL, no grupo das “outras etnias”. Foi indicada para essa vaga a Sr.ª HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES, do MOVIMENTO NAÇÃO MESTIÇA.15. Passado mais de um mês do término da I CEPPIR - Conferência Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, seu Relatório Final ainda não estava pronto. O representante do movimento mestiço na Subcomissão de Relatoria, Sr. JERSON CESAR LEÃO ALVES, requereu formalmente sua entrega da titular da Secretaria de Estado da Assistência Social (SEAS), a Sr.ª REGINA FERNANDES.16. Entregue este, seu texto não citava a Sr.ª HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES na condição de delegada mestiça eleita, colocando-a indistintamente no grupo dos “Afro-descendentes e outras etnias”, o que harmonizava com a política da SEPPIR de negar a identidade parda/mestiça.17. O governo do Estado do Amazonas não pagou as passagens dos delegados da sociedade civil, de modo que a delegada do Movimento Nação Mestiça foi à Brasília participar da 1.ª CONAPIR às custas do próprio movimento mestiço, acompanhada de dois outros membros do movimento. Em Brasília, a Sr.ª HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ cadastrou-se como DELEGADA MESTIÇA e conseguiu a aprovação na conferência nacional de propostas para a população cabocla e ribeirinha.18. Como já tivessem passado mais de três meses da 1.ª CONAPIR e o Relatório Final ainda não tivesse sido publicado no site da SEPPIR, o Sr. JERSON CESAR LEÃO ALVES, do NAÇÃO MESTIÇA, em viagem a Brasília, em dezembro de 2005, conseguiu uma cópia na sede do próprio órgão, a qual publicou no site do MOVIMENTO PARDO-MESTIÇO BRASILEIRO. 19. No texto do Relatório Final a palavra mestiço aparece uma única vez, na frase, “Destacou-se a necessidade de desenvolver e ampliar ações afirmativas em todas as políticas sociais públicas para enfrentar preconceitos e discriminações contra negros, indígenas, judeus, árabes, árabe-palestinos, ciganos e mestiços e fomentar manifestações culturais destas diferentes culturas que compõem a nação brasileira” (grifo nosso).20. Neste meio tempo, o MOVIMENTO NAÇÃO MESTIÇA passou a ter representantes no Estado de Roraima e da Bahia.21. No dia 29 de dezembro de 2005, o MOVIMENTO NAÇÃO MESTIÇA, considerando o reconhecimento da identidade mestiça em Manaus, no Amazonas e a nível nacional, protocolou na sede da SEPPIR, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, uma carta (entregue pessoalmente por membro de sua Diretoria) destinada ao CONSELHO NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (CNPIR), na qual solicita uma vaga para a representação mestiça neste conselho. Este requerimento até o presente momento não teve resposta e na pauta da 10.ª Reunião Ordinária do CNPIR, ocorrida em 2 e 3 de fevereiro de 2006, publicada no site da SEPPIR, nada consta. 22. Em 6 de janeiro de 2006, o Município de Manaus, através da Lei n.º 934, reconheceu oficialmente a identidade mestiça como grupo étnico-racial e estabeleceu o Dia do Mestiço, a ser comemorado em 27 de junho. Em 21 de março de 2006 (Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial), o Estado do Amazonas fez o mesmo, através da Lei n.º 3.044, acrescentando outros dispositivos a fim de proteger os mestiços de futuros atos racistas e discriminatórios.23. Se no Estado do Amazonas, houve progresso, em Brasília a SEPPIR continua com práticas que prejudicam a participação mestiça no processo de estabelecimento de políticas públicas voltada a temas étnicos e raciais.24. Tratando sobre o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o site da SEPPIR noticiou que na semana de 3 a 9 de março de 2006 iria dispor este documento para consulta pública – o que não ocorreu.25. Apesar da representação mestiça ter conseguido aprovar políticas públicas para as populações caboclas, durante a 1.ª CONAPIR, e apesar da referência a mestiços no Relatório Final da 1.ª CONAPIR, pela citada nota da SEPPIR, os mestiços estão excluídos deste plano: "o Plano Nacional se orienta pelos eixos racismo e desenvolvimento no Brasil, arcabouço legal e políticas de governo e foca suas ações no desenvolvimento sustentável das populações negra, indígena, cigana, árabe-palestina e judaica". Informou também o site que o "lançamento do Plano Nacional está marcado para o dia 21 de março, dentre as atividades alusivas ao Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial".26. O movimento mestiço denunciou a várias entidades e pela Internet esta atitude discriminatória da SEPPIR. A apresentação do Plano, prevista para o dia 21 de março não ocorreu, e em seu lugar a SEPPIR apresentou uma Nota Pública, referindo-se ao que teria sido o objetivo para o qual a SEPPIR teria sido criada, “Ao criar a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), há três anos, o governo brasileiro demonstrou seu comprometimento com a reparação histórica devida aos povos negros e indígenas, incluindo grupos étnico-raciais também discriminados como ciganos, judeus, árabes e palestinos, no centro das políticas públicas”. Nenhuma referência a mestiços é feita no texto da nota.27. Além de adiar a apresentação do Plano, na nota a SEPPIR também informou que “O desenho da política de promoção nacional de promoção da igualdade racial valeu-se do diálogo intenso com gestores e sociedade civil em processos como da 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a qual mobilizou mais de 95 mil pessoas, determinantes para a elaboração do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial em fase de finalização. A interiorização dessa política se dá através do Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial, o qual possibilita o desenvolvimento de ações de acordo com a realidade regional. Em dois anos, conquistamos cerca de 400 municípios e 23 estados parceiros” (grifos nossos).28. Embora sejamos um dos movimentos étnico-raciais mais conhecidos do Amazonas, não temos conhecimento de que o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR) tenha sido implantado em Manaus ou no Amazonas. Se estiver implantado, não sabemos porque não nos informaram; se não estiver implantado, não sabemos porque o Amazonas estaria entre os 3 únicos estados sem o fórum. Não encontramos no site da SEPPIR informações sobre onde este fórum já está implantado.29. O site da SEPPIR também deixou em aberto as datas da Reunião Preparatória Regional Norte e do Encontro Regional Norte (preparatórios para o Encontro Nacional do FIPIR), que deveriam ocorrer na região. Porém, no dia 29 de março de 2006, o site da SEPPIR informa que a Reunião Preparatória do Encontro Regional do Norte do FIPIR, não ocorrerá nesta região, mas bem distante, em Brasília (DF), e já no dia 31 de março, um impedimento à participação mestiça.30. Note-se que outras regiões, onde a SEPPIR não teve que lidar com movimento mestiço, receberam tratamento diverso: a Reunião Preparatória Nordeste, p. ex., ocorrerá em Olinda (PE) e o Encontro Regional Nordeste já tem local e data definidos, Recife (PE), 4, 5 e 6 de abril, e da mesma forma, todas as demais regiões do país, exceto a Norte.31. Com esta política discriminatória a SEPPIR impede que os mestiços colaborem na organização do evento (fase de preparação dos encontros regionais onde, repetindo o que já se deu nos preparativos da 1.ª CONAPIR, os pardos/mestiços podem ser outra vez constrangidos a renunciar à sua identidade), colocando obstáculos à participação mestiça no Encontro Regional Norte e, por conseqüência, no Encontro Nacional do FIPIR. 32. Com estas práticas racistas e discriminatórias, como protelar sobre o local de realização do Encontro Regional Norte, a SEPPIR atua no sentido da impedir que a população mestiça brasileira possa exercer sua cidadania.Em decorrência do acima exposto, requeremos:1. que o Ministério Público Federal averigúe e que atue no sentido de garantir o espaço da representação da identidade mestiça, através de seus movimentos organizados, nos Encontros Regionais e no Encontro Nacional do FIPIR;2. que atue no sentido de assegurar que o Encontro Regional Norte ocorra num dos Estados da Região Norte;3. que investigue o fato da Reunião Preparatória Regional Norte ter sido marcada para ocorrer em Brasília, na data de hoje, e não num estado da Região Norte, que, assim, recebeu um tratamento discriminatório em relação a outras regiões do país; 4. que investigue a não implantação do FIPIR no Amazonas e, caso já esteja implantado, o porquê do movimento mestiço não ter sido informado do fato;5. que investigue o fato de até a presente data o CONSELHO NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (CNPIR) não ter respondido ao requerimento do MOVIMENTO NAÇÃO MESTIÇA solicitando uma vaga para a representação da identidade mestiça naquele Conselho.Sem mais para o momento, antecipadamente agradecemos.